Uma Análise Funcional Do Comportamento Verbal


Os homens agem sobre o mundo, modificam-no e, por sua vez são modificados pelas conseqüências de sua ação. Alguns processos que o organismo humano compartilha com outras espécies alteram o comportamento para que ele obtenha um intercâmbio mais útil e mais seguro em determinado meio ambiente. Uma vez estabelecido um comportamento apropriado, suas conseqüências agem através de processos semelhantes para permanecerem ativas. Se, por acaso, o meio se modifica, formas antigas de comportamento desaparecem, enquanto novas conseqüências produzem novas formas.

O comportamento altera o meio através de ações mecânicas, e suas propriedades ou dimensões se relacionam freqüentemente, de uma forma simples, com os efeitos produzidos. Quando um homem caminha em direção a um objeto, ele se vê mais próximo deste; quando procura alcançá-lo, é provável que se siga um contacto físico; se ele o segura, levanta, empurra ou puxa, o objeto costuma mudar de posição, de acordo com as direções apropriadas. Tudo isso decorre de simples princípios geométricos e mecânicos.

Muitas vezes, porém, um homem age apenas indiretamente sobre o meio do qual emergem as conseqüências últimas de seu comportamento. Seu primeiro efeito é sobre outros homens. Um homem sedento, por exemplo, em vez de dirigir-se a uma fonte, pode simplesmente "pedir um copo d'água", isto é, pode produzir um comportamento constituído por certo padrão sonoro, o qual por sua vez induz alguém a lhe dar um copo d'água. Os sons em si mesmos são facilmente descritíveis em termos físicos, mas o copo de água só chega ao falante como conseqüência de uma série complexa de acontecimentos que incluem o comportamento de um
ouvinte. A conseqüência última, o recebimento de água, não mantém qualquer relação geométrica ou mecânica com a forma do comportamento de "pedir água". Na verdade, é característico deste comportamento o fato de ele ser impotente contra o mundo físico. Raramente nossos gritos derrubam as muralhas de Jerico, ou somos bem sucedidos ao ordenar ao sol para que não se mova ou para que as ondas se acalmem. Palavras não quebram ossos. As conseqüências de tal comportamento surgem por intermédio de uma série de acontecimentos não menos físicos ou inevitáveis que as ações mecânicas, mas bem mais difíceis de descrever.

Os comportamentos que só são eficientes através da mediação de outras pessoas possuem tantas propriedades topográficas distintas que se justifica um tratamento especial e, até mesmo, se exige tal tratamento. Problemas colocados por esse modo especial de ação usualmente são atribuídos ao campo da linguagem ou da fala. Infelizmente, o termo "fala" destaca o comportamento vocal e dificilmente pode ser aplicado a situações em que a pessoa mediadora é afetada de forma visual, como ao escrever um bilhete. A palavra "linguagem" está agora satisfatoriamente afastada de suas ligações originais com o comportamento vocal, mas, por outro lado, acabou por se referir mais às práticas de uma comunidade lingüística do que ao
comportamento de um de seus membros. O adjetivo "lingüístico" sofre das mesmas desvantagens. O termo "comportamento verbal" tem muitas vantagens, que recomendam-lhe o uso. Sua sanção etimológica não é excessivamente poderosa, mas destaca o falante individual e, quer seja reconhecido ou não por quem o usa,
especifica o comportamento modelado e mantido pelas conseqüências mediatas. Tem também a vantagem de ser relativamente pouco familiar aos modos tradicionais de explicação.

Uma definição do comportamento verbal como comportamento reforçado pela mediação de outras pessoas precisa, como veremos, de maiores esclarecimentos. Além do mais, tal definição não nos diz muito sobre o comportamento do ouvinte, mesmo que houvesse pouco comportamento verbal a considerar se alguém ainda
não tivesse adquirido respostas especiais para os padrões de energia gerados pelo falante. Essa omissão pode ser justificada, pois o comportamento do ouvinte, ao servir de mediador para as conseqüências do comportamento do falante, não é necessariamente verbal em nenhum sentido especial. Na verdade, não podemos distingui-lo do comportamento em geral e uma descrição adequada do comportamento verbal precisa cobrir apenas aqueles aspectos do comportamento do ouvinte necessários para explicar o comportamento do falante. O comportamento do falante e do ouvinte juntos compõem aquilo que podemos chamar de episódio verbal total. Não há em tal episódio nada além do comportamento combinado de dois ou mais indivíduos. Nada "emerge" na unidade social. O falante pode ser estudado pressupondo-se um ouvinte, e o ouvinte pressupondo-se um falante. As descrições separadas que daí resultam esgotam o episódio do qual os dois participam.

Seria loucura subestimar a dificuldade deste assunto, mas progressos recentes, obtidos pela análise do comportamento, permitem-nos abordá-lo com certo otimismo. Novas técnicas experimentais e novas formulações revelam um novo nível de ordem e de precisão. Os processos e as relações básicas que dão ao
comportamento verbal suas características especiais são agora bastante bem compreendidos. Muito do trabalho experimental responsável por tal progresso foi realizado com outras espécies, mas os resultados revelaram-se surpreendentemente livres de restrições quanto às espécies. Trabalhos recentes revelaram que os métodos podem ser estendidos ao comportamento humano sem sérias modificações. Longe da possibilidade de extrapolar descobertas científicas específicas, essa formulação fornece uma nova abordagem, muito proveitosa do comportamento humano em geral e nos habilita a tratar mais eficazmente desta subdivisão chamada verbal.

A "compreensão" do comportamento verbal é algo mais do que o uso de um vocabulário consistente, com o qual instâncias específicas podem ser descritas. Ela não deve ser confundida com a confirmação de qualquer grupo de princípios teóricos. Os critérios devem ser mais exigentes. O alcance de nossa compreensão do
comportamento verbal numa análise "causal" deve ser avaliado pelo alcance das nossas previsões de ocorrência de casos específicos e, eventualmente, pela extensão de nossa capacidade de produzir ou controlar tais comportamentos mediante a alteração das condições em que ele ocorre. Na apresentação de tal objetivo, é salutar ter em mente certas tarefas específicas do planejamento. Como pode o professor estabelecer os repertórios verbais específicos, que constituem os principais produtos finais da educação? Como pode o terapeuta revelar o comportamento verbal latente numa entrevista terapêutica? Como pode o escritor evocar seu próprio comportamento verbal no ato da composição? Como pode o cientista, o matemático ou o lógico manipular seu comportamento verbal no pensamento produtivo? Problemas práticos desse tipo são, é claro, infindáveis. Resolvê-los não é o alvo imediato de uma análise científica, mas eles estão subjacentes aos tipos de processos e relações que tal análise deve considerar.

Postado por Ítalo Sobrinho
Escrito por B.F. Skinner
Livro. Comportamento Verbal

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